quarta-feira, 30 de junho de 2010

Física Moderna na sala de aula: sonho ou uma realidade viável?

por Francisco Caruso*

Muito se tem falado sobre a necessidade de se ensinar Física Moderna antes da graduação e muitos têm questionado sua viabilidade. Para os mais incrédulos eu diria, para começar, que obviamente isto é possível. Basta lembrar o que aconteceu historicamente: os ensinamentos de Galileu e de Newton, só para citar dois dos mais conhecidos, já foram parte integrante de uma Física de fronteira e hoje são ensinados sem obstáculos no ensino médio. É claro que já houve época na qual a contribuição científica destes autores ficou fora da escola por motivos ideológicos, pois conflitavam com a Física aristotélica, abraçada como dogma pela Igreja Católica. Superado este tipo de problema, entretanto, qual ou quais os empecilhos?


O primeiro movimento de mudança já está em curso no Brasil: há vários grupos elaborando propostas de ensino de certos conceitos de Física Moderna, mas, na maioria das vezes, de forma pontual. Neste processo, revistas como a Revista Brasileira de Ensino de Física e o Caderno Brasileiro de Ensino de Física desempenham importante papel. No entanto, a absorção real das propostas divulgadas em artigos é muito lenta e acaba tendo influência muito localizada. 
  Laser: exemplo de aplicação da física moderna

Outra tendência louvável neste sentido são os cursos de especialização e mestrados profissionalizantes voltados para docentes do ensino médio e do fundamental. Entretanto, em minha opinião, falta um movimento institucional mais amplo voltado para uma radical reformulação das licenciaturas em Física. Gostaria de ver uma revalorização do conteúdo comprometida com o fato de ser a Física uma ciência experimental, ao mesmo tempo em que se pensa em novos conteúdos e novas formas de transmitir o conhecimento científico. Gostaria de ver um novo professor que durante toda a sua formação universitária se preocupou e refletiu sobre como ensinar (inclusive a Física Moderna). Talvez a SBF pudesse propor e coordenar uma discussão nacional sobre as licenciaturas. Sou favorável a um novo currículo mínimo de licenciatura, completamente diferente dos atuais. Só assim poderemos parar de nos preocupar com a assim chamada “reciclagem” dos professores e nos dedicarmos mais à qualidade da formação dos novos profissionais e dos jovens.   
Detalhe do detector CMS no LHC - o maior acelerador do mundo,fruto da Física Moderna [imagens: CERN]

Outra vertente do problema de como ensinar Física Moderna em nossas escolas está no fato de que elas ainda estão formando jovens que concluem o ensino médio com uma visão aristotélica da Física, como mostrei no artigo A queda dos corpos e o aristotelismo: um estudo de caso do vestibular, analisado em a Persistência do Aristotelismo. Na verdade, não é difícil compreender esta tendência, uma vez que o aristotelismo na ciência é uma boa expressão do senso comum, tão predominante em países com alto nível de analfabetismo funcional e científico. Segue-se, portanto, logicamente, a pergunta: como ensinar Física Moderna para alunos que ainda pensam como Aristóteles e sequer compreenderam a Física de Galileu? Há ainda um agravante, como bem disse meu amigo Ruben Aldrovandi ao comentar nosso livro Física Moderna: Origens Clássicas e Fundamentos Quânticos. Para ele, a Física Moderna está “imersa na milenar história dos embates culturais, que foram aos poucos libertando os cientistas do imediato e os inspiraram por caminhos para os quais a experiência cotidiana não serve mais de guia”. Logo, o desafio é: os alunos ainda pensam em conformidade com o senso comum, mas este não serve para se compreender ou estabelecer analogias em Física Moderna. Acho que este ponto deve ser, na verdade, a base de qualquer reflexão crítica de como introduzir conceitos contemporâneos da Física no ensino médio. Sem conhecermos a realidade de nossos alunos, é difícil construir propostas eficazes. Claro que, com o tempo, as coisas termalizam e se acaba chegando a um denominador comum do que ensinar e como fazê-lo, mas meu ponto é que este tipo de processo é sempre muito lento.

Na verdade, a partir da observação do Aldrovandi, diria que a História da Ciência pode ser um instrumento importante em novas propostas de ensino de Física Moderna nas escolas, aliada a bons textos de divulgação científica. Posso citar, como um exemplo, algo que aconteceu comigo. Como já declarei em outra ocasião, minha escolha de fazer Física de Partículas em muito se deve às aulas que tive sobre os modelos atômicos de Thomson, Rutherford e Bohr no ensino médio, todas fortemente calcadas em informações históricas. O detalhe aqui, que não deixa de ter uma ponta de ironia, é que este assunto – que já é um assunto centenário – foi e continua sendo ensinado nas aulas de Química e não de Física, embora sejam modelos físicos do átomo.


Entretanto, quero concluir enfatizando que não acredito em nenhuma mudança em larga escala e a curto ou médio prazo baseada em propostas individuais, por mais louváveis que sejam, sem uma ampla discussão nacional sobre as licenciaturas. Óbvio que isto não deve ser entendido como um desestímulo àqueles que têm trabalhado seriamente em prol do desenvolvimento do ensino de Física e da qualidade do ensino básico desta disciplina. Na pior das hipóteses, daqui a décadas ou séculos se terá convergido para uma forma particular de se ensinar a Física do século XX nas escolas, a exemplo do que aconteceu com a Física newtoniana.

* Francisco Caruso é Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Pesquisador Titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Bate-papo: Max Jáuregui entrevista o pesquisador José Helayel

"Mecanismo de quebra espontânea de simetrias na física de partículas".
Você sabe o que é? Esse foi o tema da entrevista do pós-graduando Max Jáuregui Rodríguez, estudante de Mestrado em Física Teórica do CBPF, com o professor José Helayel, pesquisador do Grupo de Teoria de Campos e Partículas Elementares do CBPF. O assunto será abordado pelo professor durante o curso "Física de partículas: além do modelo padrão", voltado para estudantes de graduação, que será ministrado durante a VIII Escola do CBPF.

Assista agora ao bate-papo e não deixe de conferir a ementa do curso no site da Escola!  

Em tempo: O prazo para efetuar as inscrições na VIII Escola do CBPF  encerra quarta-feira, dia 30 de junho! Não deixe para a última hora: inscreva-se!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Verdade, a Física é pop...

E não é de hoje! No final de 2008, a jornalista e blogueira Rosana Hermann (ela também física por formação) já detectava a popularidade da área e anunciava em seu blog “Querido Leitor”: “acho que a física vai virar moda”. De José Padilha, diretor de Tropa de Elite, a Steven Chu, então recém indicado ao cargo de secretário de Energia do governo Obama, não faltaram nomes de físicos que estivessem entre os famosos da época. Recentemente, o sucesso da série de tv americana The Big Bang Theory, já na terceira temporada e vencedora do People's Choice Awards de 2009 como melhor série de comédia, tem comprovado que a Física pode ser o máximo e, inclusive, render boas risadas.


Nem tão famoso na época, porém já bem conhecido entre os estudantes e aficionados pela matéria, o físico Dulcidio Braz Júnior, professor em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, e apaixonado pela sala de aula, foi um dos lembrados pela jornalista por causa do blog Física na Veia! Criado em 2005, em comemoração ao Ano Mundial da Física, o blog apresenta a resolução de questões de física e reproduz notícias e curiosidades relacionadas à área.

 - O blog é a minha sala de aula na internet. Por meio dele, utilizo uma linguagem leve e de fácil entendimento sobre um assunto que é considerado árido para muita gente -, explica.  A habilidade do professor em utilizar a internet para atrair estudantes ao universo da Física pode ser reconhecida pela marca de 1 milhão de visitas que o blog atingiu em novembro de 2009. O slogan "A Física é Pop!", adotado desde então, surgiu inspirado no post de Rosana Hermann, que citamos no primeiro parágrafo.

A popularidade da física - e do blog do professor Dulcidio - não parou por aí. No início deste ano, o Física na Veia! foi escolhido pelo The BOBs (The Best of Blogs) como o melhor web blog em língua portuguesa. Organizado pelo grupo de comunicação alemão Deutsche Welle, um dos dez maiores do mundo, o prêmio reconhece blogs do mundo inteiro em diferentes categorias e se tornou referência como uma das premiações mais importantes da blogosfera mundial. A entrega do prêmio acontece hoje, dia 21 de junho, em Bonn, na Alemanha.

Neste ano, onze blogs brasileiros (entre mais de 8.300 sugeridos por internautas) foram candidatos ao prêmio. “O que mais me deixa feliz é que não sou celebridade, sou professor!”, comemora Dulcidio, que concorreu ao lado jornalistas e profissionais das áreas de comunicação, artes e tecnologia.

O professor Dulcidio estará na VIII Escola do CBPF compondo a mesa-redonda A prática da divulgação científica e as novas mídias sociais, que acontece dia 20 de julho, às 18h30, ao lado dos blogueiros Leandro Tessler (Cultura Científica) e Fernanda Poletto (Bala Mágica). Mediada pelo físico e divulgador Marcelo Knobel, da Unicamp, o objetivo dessa mesa-redonda é discutir o papel ativo dos blogs de ciência no trabalho de divulgação e educação científica, além de avaliar o poder das novas mídias de aumentar a participação da sociedade na discussão de temas da Ciência.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Martín Makler fala sobre Matéria e Energia Escura

Desde 2007 três institutos de pesquisa vinculados ao MCT – o Observatório Nacional (ON), o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC)  fazem parte do consórcio brasileiro, DES-Brazil, ligado ao Dark Energy Survey (DES). O principal objetivo dessa colaboração internacional é esclarecer um dos maiores mistérios da física contemporânea: a energia escura.

Esse conceito começou a ser estudado com mais profundidade no final da década de 1990, quando cientistas norte-americanos descobriram que o universo se expande cada vez mais rápido. Esse fato forçou uma reavaliação nos modelos cosmológicos aceitos até então, e exigiu a criação de alternativas que explicassem essa aceleração. A mais aceita até agora consiste em supor a existência de uma nova compoente de matéria, chamada energia escura, que seria responsável por mais de 70% da composição do Universo.

A principal atividade do projeto consiste em coletar imagens do universo, para criar um mapa da posição de cerca de 300 milhões de galáxias, além de medir a forma de cada uma dessas galáxias. Esse mapeamento vai ajudar a esclarecer como a energia escura evolui e se distribui no universo, permitindo testar diferentes modelos para tentar identificar a sua natureza física.

Martín Makler, físico do CBPF e integrante do grupo de pesquisa do DES-Brazil falou ao nosso Blog e explicou que uma das questões mais importantes agora é descobrir como a energia escura evolui. "Já sabemos, com uma boa aproximação, a densidade dessa energia no universo hoje. As observações são contundentes nesse sentido, mas precisamos saber como ela evolui. Conhecendo esse dado, podemos descartar uma série de modelos, pois em cada um a evolução acontece de forma diferente".

Outra colaboração lembrada pelo pesquisador é o Sloan Digital Sky Survey - III (SDSS), que completa oficialmente 10 anos este ano e possui agora uma participação brasileira ativa, liderada pelo ON e envolvendo novamente o CBPF e pesquisadores de Universidades brasileiras. “Este é possivelmente o projeto de maior impacto na astronomia até o presente”, afirma Martín Makler.

Confira a entrevista e siga os links recomendados pelo pesquisador.




“Para começar, indico os sites oficiais dos programas de colaboração mencionados aqui:

Dark Energy Survey (DES) – www.darkenergysurvey.org
DES-Brazil – www.des-brazil.org
Sloan Digital Sky Survey - III (SDSS) - www.sdss.org/ e http://www.sdss3.org/

Confira também o site http://www.galaxyzoo.org/, baseado em dados públicos do SDSS. Através dele, cada participante pode ter acesso a imagens reais e, na maioria dos casos, nunca antes analisadas! O usuário é convidado a participar da análise, classificando objetos e dando uma série de inputs que são usados na pesquisa científica com o projeto! Ou seja, é uma forma do cidadão comum ter uma participação direta e relevante na pesquisa de ponta (e não apenas ficar olhando imagens belas).

Há também, no Galaxyzoo, uma seção dedicada às lentes gravitacionais: www.galaxyzoo.org/how_to_take_part#hubble_lenses

O SDSS tem ainda uma página para o público leigo, professores, astrônomos amadores, etc, que está cheia de conteúdo acessível e muita informação de qualidade (e em português!): http://cas.sdss.org/dr7/pt/. Aí também o usuário pode ter acesso aos mesmos dados que os cientistas do projeto utilizam.

Para finalizar, o próprio Google tem o googlesky, que apresenta imagens astronômicas reais de alta qualidade do céu inteiro, o site é www.google.com/intl/pt-BR/sky/ (também na versão em português). Grande parte das imagens que ali estão é do SDSS também.

Vários outros projetos têm surgido por aqui como consequência do DES e do SDSS, em particular com foco em lentes gravitacionais. Em especial, temos o SOAR Gravitational Arc Survey (SOGRAS), coordenado por nosso grupo e que usa tempo brasileiro no telescópio SOAR para fazer imagens de 60 aglomerados de galáxias para buscar arcos gravitacionais. Já observamos 18 aglomerados e encontramos 3 com arcos. Outros 42 devem ser observados ainda este ano, completando o projeto. Há também o Canada-France-Hawaii-Telescope / Megacam - Stripe 82 survey, um projeto conjunto França-Canadá-Brasil para fazer imagens de uma grande região do céu, entre outras coisas para achar arcos gravitacionais. Ele será iniciado no segundo semestre deste ano (o CBPF/ICRA também coordena a parte brasileira do projeto)."

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Estudante Kim Veiga entrevista o diretor do CBPF, Ricardo Galvão


O aprimoramento da formação dos estudantes tanto quanto seu engajamento em questões relevantes para a comunidade de física têm sido focos de atenção constantes da coordenação da pós-graduação do CBPF. Além de incentivar a participação dos alunos em seminários temáticos e eventos científicos no país e no exterior, a coordenação da pós-graduação do CBPF tem estimulado também as atividades da Associação de Pós-graduandos José Leite Lopes (APG-JLL) , que foi criada em 1998 e ganhou esse nome em homenagem ao importante físico brasileiro e fundador do Centro, ao lado de César Lattes.

Mais que gerenciar as demandas administrativas e acadêmicas dos cerca de 120 pós-graduandos da instituição, a APG-JLL representa os estudantes no comitê Científico Assessor do CBPF e desenvolve vários outros projetos de complemento à formação dos alunos, como o registro dos cursos e seminários de algumas disciplinas – as videoaulas -, que são disponibilizadas no site da Associação como recurso para estudantes de outras instituições e para consultas futuras dos próprios alunos.

Na VIII Escola do CBPF, a APG-JLL está à frente da organização do Encontro Nacional dos Estudantes de Pós-Graduação em Física (ENAF), que acontecerá entre os dias 2 e 4 de agosto. De acordo com Kim Veiga, mestrando do CBPF e um dos representantes da atual gestão da APG, o objetivo do ENAF é "promover a troca de experiências entre os estudantes, de forma a deixar o participante à vontade para expor e debater suas ideias de forma democrática".  Além de assistir às palestras com pesquisadores convidados, os estudantes podem participar do evento com apresentações orais, apenas no caso de pós-graduandos, e painéis, também os graduandos.

Interessado em discutir as perspectivas do CBPF quanto ao aprimoramento da qualidade de ensino e da formação dos pós-graduandos, o estudante Kim Veiga conversou com o Prof. Ricardo Galvão, diretor do CBPF, sobre o assunto.




KV - O Brasil desponta hoje como uma potência emergente. Nada mais natural que a ciência do nosso país avance junto com ele.Só que o que nós vemos é uma pós-graduação que vem se repetindo há muitos anos e também com uma visão “atrasada” do pós-graduando. Em países desenvolvidos o pós-graduando é visto como um trabalhador, um pesquisador, um contribuinte, enquanto aqui nós somos vistos ainda como estudantes. Considerando que o CBPF desempenhou um papel tão crucial para a nossa ciência como o senhor acha que pode agora contribuir para esses avanços?

RG – Bem, Kim, o ponto que você colocou é bastante interessante; agora, tem umas premissas que não são totalmente verdadeiras. Falando de uma forma um pouco mais geral, realmente o Brasil avançou muito, e, se não olharmos só em Física, nós passamos de uma pós-graduação que formava poucos doutores por ano, e hoje nós formamos mais de 10 mil doutores por ano – você sabe disso –
 mas com um desnível muito grande. Então, a grande maioria – mais de 60% - está nas Ciências Sociais. Nas áreas de Exatas, muito menos, e nas Engenharias, muito menos ainda. Não temos uma pós-graduação – e não falamos só em Física – que atenda às necessidades do país. Bem, um outro problema importante é nossa produção científica. Você sabe que nós passamos de pouco mais de 0,2% da produção mundial, no final da década de 80, em artigos científicos, para cerca de 2% de toda produção mundial, isso em 20 anos. Foi um crescimento notável! No entanto, embora ocupemos a 13a. posição no ranking de artigos publicados, ocupamos somente a 23a. em  número de citações. Um ponto importante de todo nosso crescimento científico – e aí sim, falando particularmente da Física, porque depois da Medicina a Física é a maior responsável no país pela produção científica e em particular pela qualidade dessa produção – é que nós temos de dar um salto de qualidade. Não podemos mais avançar somente em números. Com relação à condição e ao tratamento do pós-graduando, seja como aluno, seja como profissional, ela não é geral no mundo todo. Então, por exemplo, no sistema americano, aluno ainda continua sendo aluno de pós-graduação. No sistema europeu, não. Eu, por exemplo, tenho a experiência de ter feito meu doutorado nos Estados Unidos e meu pós-doutorado na Holanda. Nos EUA - ainda hoje é assim - enquanto o aluno não passa pelo exame de qualificação, é considerado simplesmente aluno, e os departamentos nem se sentem responsáveis pelo seu trabalho de tese. Nesse sentido o sistema brasileiro é melhor, porque há uma responsabilidade desde que vocês começam – em todas as instituições brasileiras, mas principalmente em Física – com o tema de dissertação, com o tema de tese. Já na Europa, e em particular na Holanda, onde estive, os alunos são contratados como pesquisadores e já começam a trabalhar como pesquisadores durante seu processo de doutoramento…

KV - O que já é muito válido, porque às vezes nós chegamos a 30 anos de idade ainda como estudantes…
RG - Isso é verdade. É muito válido, mas há sempre o reverso da moeda. Quando eu estava lá participei de três concursos para selecionar alunos para fazer doutorado, e a competição é de 50 para 1. Então, realmente eles contratam, mas [os programas] não têm a mesma amplitude que no Brasil. Mas realmente você tem razão em relação a algumas coisas. Existem várias deficiências no nosso sistema, desde o apoio aos alunos, como com relação a seguro-saúde ou de contagem de tempo para previdência social - isso é uma falha grande no nosso sistema… E outra grande falha é que no Brasil grande parte dos trabalhos de pesquisa se apoia nos alunos de pós-graduação, enquanto no exterior a pesquisa se apoia nos pós-doutores. Se avança um pouquinho mais rápido a formação dos alunos na pós-graduação e se trabalha mais com os pós-doutores. Bem, eu não sei se respondi plenamente à sua pergunta…

KV – Sim.  Vamos lá agora à questão da CAPES. A CAPES faz uma avaliação trienal de todas as pós-graduações do nosso país, e muitas vezes os programas deixam de fazer coisas consideradas relevantes para atender aos requisitos da CAPES. Como o senhor vê isso? Em vez de o CBPF – e outras instituições – se submeterem aos critérios da CAPES não poderiam ditar esses critérios ou pelo menos atuar em conjunto com a CAPES?


RG - Esse também é um ponto muito importante e que se reflete na sua primeira pergunta – que nós não concluímos – sobre a questão da qualidade. O sistema nosso de pós-graduação é muito bom, mas é muito enquadrado. Principalmente pela questão das bolsas, nós temos aqueles prazos de dois anos para mestrado, quatro anos para doutorado, e temos uma certa necessidade de cursos - o que é de certa forma compreensível (que se exijam os cursos), já que os nossos doutores ao se formar nem sempre estarão trabalhando todo o tempo na sua tese, eles podem trabalhar em outras universidades, e precisarão de uma formação mais ampla… No entanto, essas limitações trabalham um pouco em contrário à criatividade e à inovação e à liberdade de pensamento…
Agora, Kim, os critérios da CAPES, a gente tem de lembrar que não são “critérios da CAPES”, uma mãe que está cuidando de todo mundo. Quem é a CAPES? A CAPES é a comunidade científica brasileira. Quem faz os critérios são os nossos colegas, os nossos colegas físicos, os nossos colegas de outras instituições. Eles, nesses comitês, é que estipulam esses critérios. Nesse ponto, o CBPF deveria tomar uma liderança maior, mas já tem tomado. Não sei se você estava presente no ano passado, quando tivemos aqui uma reunião em que esteve o presidente da CAPES falando sobre a necessidade de se ter critérios mais abrangentes. Nosso sistema é bem interessante, porque dentro dessa visão da CAPES, nós atendemos perfeitamente o estudante padrão: aquele que tem uma boa capacidade de trabalho e produz normalmente no sistema. Nós não temos capacidade de atender às exceções, ou seja, para aquele estudante que passa um tempo sem fazer nada ou queira estudar num curso fora daquilo que pretende fazer, ou ainda que tenha uma nova idéia nosso sistema não é muito abrangente...

KV – Ou às vezes aquele que está mais avançado e que tem de ver as mesmas matérias que já viu antes...

RG – É. Esse é outro problema, em particular no nosso caso, no CBPF, porque, como aqui recebemos alunos de todos os lugares do país e também do exterior e não temos uma graduação, não somos uma universidade, eles vêm com formações muito distintas. Então, naturalmente, ao dar os cursos os professores não podem direcionar aquele curso para um público especial, têm que fazer o curso para um público médio, e aí alguns alunos podem ser prejudicados. Mas lembre-se de uma coisa. Essa é uma mensagem para todos os alunos da pós-graduação: quem vai fazer sua formação é o aluno. Ele tem que usar os cursos como uma guia geral. E no nosso caso, no caso do CBPF, eu faço uma crítica. Eu acho que com relação aos cursos que nós temos – e eu estou tentando mudar isso – os alunos têm uma especialização muito cedo. A especialização no que você faz é para o seu tema de tese, mas eu vejo os alunos tomarem poucos cursos fora de sua área de trabalho. Hoje em dia, a maneira como a ciência evolui é muito interdisciplinar. As ideias vêm de várias áreas. Nossos alunos ainda estão um pouquinho preocupados – exatamente por causa da CAPES – em fazer o mais rápido possível. É nesse ponto que a CAPES atrapalha um pouquinho. Para ser muito objetivo, eu acho que o CBPF e as outras instituições de ensino teriam de atuar para que os tempos fossem um pouquinho mais expandidos. Estou levando em conta como está a produtividade do aluno.

KV – Professor, como o senhor acha que o CBPF deve conciliar as duas vias de atuação? Nós temos a pesquisa e o ensino, a formação de pessoal. Como o senhor acha que o CBPF deve integrar cada vez mais essas duas vias de atuação?

RG -  Bom, na verdade, vou começar pelo final dessa pergunta. Pesquisa e educação são integradas. O que acontece é que como o CBPF não é uma universidade, nossos pesquisadores não têm obrigação de ensinar. Como você sabe, nós temos um grande número de pesquisadores que se interessam muito pelo ensino e há pesquisadores que não se interessam. Agora, há duas formas de ensinar e de ser um bom professor. Há o trabalho formal de um professor, que ensina bem e tem classes muito atrativas, mas há também o professor ou pesquisador que não tem essa capacidade, mas no contato pessoal com o aluno ou no laboratório, ou na orientação teórica tem muita habilidade. Então, com esse ponto de vista, nós temos que integrar, adaptar as características dos professores aos alunos. Nós temos feito um esforço grande, não sei se você tem acompanhado, principalmente nos últimos dois anos, de fortalecer cada vez mais os cursos básicos, obrigar os professores a dar uma garantia de cursos básicos que vão acontecer, para que os alunos tenham uma previsão de cursos básicos num período de dois anos. Nesse caminho acho que estamos indo bem. Temos ainda, talvez, que melhorar um pouco a modernidade de nossos cursos. Esse ponto, sim. Mas estamos caminhando bem.

KV – Bem, Professor Galvão, a última pergunta, então. Como o senhor acha que o CBPF se diferencia das demais instituições de excelência, para atrair o jovem bacharel em Física hoje que ainda está indeciso sobre onde vai fazer a sua pós-graduação. Quais são as características que o CBPF tem e que esse estudante não pode encontrar em outra instituição?

RG – Essa é uma pergunta importante, mas ela tem que ser bem qualificada. A Física no Brasil tem uma atuação bastante abrangente e em várias instituições de altíssimo nível. O CBPF não tem o destaque em todas as áreas da Física.  Então, os estudantes têm de saber em que estão trabalhando. Vou começar com um exemplo típico. Se eu estivesse hoje interessado em trabalhar na área de óptica, aplicações de laser, etc, eu não escolheria o CBPF. Iria ou para Recife ou para São Carlos, por exemplo. Agora, em algumas áreas o CBPF é absolutamente o top do que existe no Brasil: física de altas energias, cosmologia, algumas áreas de ciência dos materiais, várias áreas de ciências aplicadas (em particular, biomateriais), materiais avançados, algumas áreas de nanotecnologia... Então, o aluno tem que saber realmente para onde ele quer se dirigir... Agora, vamos nos restringir à área do Rio de Janeiro. Como temos agora o exame unificado de Física para o Rio de Janeiro, o aluno realmente, ao decidir, tem que olhar as áreas de atuação das diferentes instituições do Rio de Janeiro... Bem, até aqui estou falando em termos de área. O que eu gosto do CBPF – você sabe, porque eu venho da Universidade de São Paulo – é que o fato de não termos graduação, em alguns aspectos é uma grande vantagem. Você veio da Bahia, por exemplo. Se você fosse da Bahia para a USP, também chegariam estudantes de vários lugares lá. Mas certamente os formados na própria USP têm uma certa vantagem: conhecem o lugar, conhecem os professores. Os que vêm de fora têm de se adaptar a uma estrutura e a um ambiente social existente...

KV – Mas a pergunta mesmo foi mais no sentido de condições de vida... O que o estudante do CBPF tem a mais, já que o CBPF é uma instituição histórica, uma das instituições de excelência no nosso país. O que é que o bacharel em Física não pode encontrar na Bahia, mas vem encontrar aqui e certamente melhor para ele?

RG – No que diz respeito às condições de vida – fora o fato de estar na beleza do Rio – ele está em desvantagem. Esse é um defeito muito grande do nosso sistema CAPES, já que as bolsas têm valores fixos para todas as regiões do país. Uma bolsa de mestrado ou doutorado no Rio de Janeiro representa cerca de 63% do ‘poder de compra’ do mesmo valor em São Carlos, por exemplo. Então, nesse ponto de qualidade de vida – fora o fato de estar no Rio de Janeiro – o aluno perde.  Com relação à condição científica, o CBPF apresenta uma grande vantagem: o CBPF não é um departamento de Física numa universidade. Por isso ele tem o papel – que devem ter todas as unidades de pesquisa – de promover e articular várias iniciativas científicas na área de Física. Então,  eu que tenho experiência em vários departamentos de Física no Brasil todo, com visitantes, pesquisadores que vêm de outros lugares, não vi em lugar nenhum a circulação de pessoas que eu vi no CBPF. Note que nós temos da ordem de 60 professores e chegamos a ter, por ano, o dobro ou mais de visitantes. São pessoas. Então, várias ideias novas, articulações, etc, passam pelo CBPF. E se os estudantes souberem aproveitar disso, souberem interagir, eles têm uma grande vantagem no CBPF.

KV - O CBPF teria projetos para auxiliar os estudantes, já que ele é um centro de pesquisas de ponta no nosso país para melhorar a qualidade de vida dos pós-graduandos e, consequentemente aumentar a produtividade científica?

RG - Esse é um ponto importante. Nós temos feito esforços, mas o problema é que somos amarrados pela legislação brasileira. O TCU impede que várias ações sejam realizadas. Nós não podemos dar nenhum subsídio para alimentação ou para alojamento. Isso é proibido pela legislação. A única forma que teria o CBPF de mudar isso é se conseguíssemos mais recursos através de prestação de serviços para a sociedade.

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